ANALFABETISMO - RETRATO DE ALAGOAS

Analfabetismo – Retrato 3x4 de Alagoas
Cícero, Alagoano de 51 anos, negro, cerca de 1,70m, nunca foi à escola quando criança, pois tinha que trabalhar, segundo ele, sabe todas as letras, mas não sabia soletrar, aprendeu a assinar o nome com sua mãe que escrevia um pouco, hoje ele já consegue ler palavras pequenas e não está muito distante de seu maior sonho que, “não é aprender a ler tudo, mas pelo menos algumas palavras, ler uma placa, saber pegar um ônibus”. 
Questionado como fazia para "pegar" um ônibus ele afirma que “ só sabia a forma da primeira letra, mas não sabia o resto e tinha que pedir ajuda”.
Ele é morador da cidade de Pilar interior de Alagoas e se aproxima do colégio onde começou a estudar a cerca de um ano atrás, um pouco tímido, ele conversa com o porteiro enquanto aguarda a professora chegar. 
Ele tenta sair da estatística que coloca Alagoas em primeiro lugar em número de analfabetos no país, que compõem junto com ele 21,6% da população Alagoana, isso equivale a mais de 717 mil pessoas que se juntam aos 16,6% dos nordestinos ajudando a compor os 8,3% da população do Brasil, mais de 13 milhões de brasileiros segundo os últimos dados do IBGE, e que colocam o país na 8ª posição em número de analfabetos no mundo e somam 38,5% dos latino-americanos de acordo com a UNESCO.

Assim como Cícero, existem muitos outros Ciceros, Josés, Marias, centenas de Alagoanos que apesar das dificuldades e da falta de oportunidade de estudar quando jovens, por exigências do mercado e da sociedade hoje voltam ou entram pela primeira vez em uma sala de aula, tentam assim mudar a sorte e suas vidas aprendendo a ler e  a escrever.
  Isso se torna possível através da Educação de jovens e adultos (EJA) uma modalidade de ensino oferecida a pessoas que não tiveram acesso ou querem dar continuidade ao ensino fundamental e médio.
 O surgimento da escola de adultos como assim era chamada essa modalidade, não se deu para que pessoas optassem entre a escola/diurna ou a escola/noturna, mas por uma necessidade econômica do país, com o início da industrialização quando em 1930 cerca de 60% da população Brasileira era analfabeta. 
Hoje a principal razão que leva adultos a sala de aula ainda continua a ser uma motivação econômica e não um direto como lhe deve ser dado. A rede pública do estado de Alagoas ofereceu no segundo semestre de 2014, 11.475 vagas para essa modalidade de ensino e em 2015 já eram cerca de 25 mil alunos matriculados nessa categoria. Procurada para informar dados atualizados a Coordenadoria Regional de Educação não respondeu aos emails e  telefonemas.

O percurso para a alfabetização se confunde com a história de vida
O analfabetismo entre mulheres e o machismo

Margarida é moradora da zona rural de Marechal Deodoro e estudante do Ifal na categoria de ensino médio profissionalizante, quando jovem ela deixou de estudar para ir trabalhar em São Paulo com conhecidos de sua mãe, alguns meses se passaram e ela voltou para Alagoas e assim também a estudar, não concluiu o ensino fundamental e ainda jovem casou-se e retomou os estudos, mas engravidou e abandonou novamente a escola, pois não tinha quem cuidasse dos filhos.

 O casamento não deu certo, Margarida começa a frequentar a escola novamente até casar-se outra vez e mudar-se para a zona rural onde não existia a educação de Jovens e adultos e interrompendo os estudos mais uma vez, passaram-se alguns anos e ela agora uma adulta está de volta a escola e tenta concluir o ensino médio.

 Margarida hoje não faz mais parte do número de mulheres analfabetas que segundo a especialista em alfabetização e pós-doutora em educação, Marinaide Lima de Queiroz Feitas, não tiveram oportunidade a educação quando Jovens, vitimas do machismo, primeiramente do pai que não permitia que meninas fossem à escola para não escrever cartas para o namorado, por exemplo, e as submetiam a serviços domésticos para casar. E depois que saiam do machismo dos pais caiam no do marido.
 São muitas dessas meninas hoje senhoras, que estão nas escolas ou por que não estão mais com os maridos ou dão uma pausa no serviço doméstico para estudar. Muitos homens têm cedido por precisarem de um complemento na renda, mas outros apesar da necessidade continuam impedindo que suas esposas estudem, principalmente na zona rural e nas escolas. Pois um grandes número de pessoas que estão na EJA vieram da Zona rural. Talvez essa seja uma das causas que podem explicar porquê o numero de mulheres analfabetas com 60 anos ou mais é maior que o de numero de homens.

Assim como Margarida são as maiorias dos estudantes da EJA poucos conseguem driblar as dificuldades sem parar de estudar e muitos abandonam a escola pelo mesmo motivo, o trabalho.

O Preconceito

João, 61 anos, aposentado, surpreende com o conhecimento de história brasileira e com a forma correta em que usa o português em seus diálogos. Assim ele explica que a maneira que fala é decorrente do meio em que viveu. 
Ele foi porteiro de um hotel de luxo em São Paulo, onde viviam pessoas de classe social elevada e celebridades, A especialista Marinaide Freitas afirma que a interação, a rua, o trabalho, as associações são agências de letramento e na iteração se aprende, mas a escola é o lugar onde o saber é reconhecido.
João voltou para Alagoas e começou a estudar, pois precisa renovar sua licença para dirigir e não saber ler nem escrever. Sempre alegre ele muda o tom de voz quando fala do preconceito que sofre por estudar depois de aposentado. 
Ele conta sobre os olhares desconfiados de conhecidos que o veem sair de casa com o caderno todas as noites para estudar, ele diz não dar ouvidos a esses comentários. 
O preconceito persegue os estudantes da educação de Jovens e adultos por todo decorrer dos estudos. Inclusive nas universidades onde também há estudantes que vieram da Eja, apesar das muitas dificuldades que encontram ao longo da vida.

*Por questões éticas foram usados nomes fictícios.

Por: Pedro José Quirino dos Santos

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